QUADRICHROMIE > SCOTT MACLEAY
Quadrichromie 1978-1988 ( Creative Process, 2018) como o título já adianta trata de um período delimitado, uma década de experiências fotográficas de seu autor, R. Scott Macleay, canadense que iniciou sua carreira em Vancouver abordando a fotografia, literatura e música e que em 2010 se radicou em Florianópolis, SC, depois de trabalhar em Paris, Nova York por cerca de 3 décadas.
Scott Macleay com Quadrichromie, além de sua especificidade com o processo de impressão Fresson, nos situa nas experiências das vanguardas analógicas, o que também nos leva ao paralelo semântico e temporal com o Kodachrome, filme epítome das várias gerações que atravessou. Situa-se igualmente nas pesquisas mais intensas com relação a cor como forma. Ele explica com um tripé conceitual sustentando a relatividade cromática, a forma bidimensional, e a relação com a noção de estabilidade. "Eu estava interessado em estudar o potencial para entrar nos relacionamentos complemetares e conflitantes, uns com os outros."
É preciso lembrar que ainda os anos 1970 estava começando assimilar a cultura da cor na fotografia, previamente apresentada na década anterior através de fotógrafos como o vienense Ernst Haas (1921-1986), que já em 1962 expõe pioneiramente no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York. Somente em 1976, voltamos a este cenário com o americano William Eggleston, que então inaugura a primeira publicação do museu para a fotografia colorida (William Eggleston Guide, MoMA,1976) legitimando assim o meio entre o establishment da arte fotográfica. [ leia aqui review sobre o livro William Eggleston a cor americana (IMS, 2015) http://blogdojuanesteves.tumblr.com/post/120939709926/william-eggleston-a-cor-americana ]
Como fotografia não é somente a captura de algo, Eggleston preocupava-se também com a ideia da impressão optando pelo sistema Dyer Transfer (transferência de cor). Já Scott Macleay faz experiências com o processo Fresson, método que utilizou para suas impressões (a origem das imagens aqui publicadas) até 2009 quando, como a maioria, optou pelo meio Ink Jet. O método, a grosso modo, chamado de processo a carvão, lida com a subtração das cores, a partir de um negativo original ou um cromo. Quando trata de cor é também chamado de Quadrichromie ( daí o título).
Conta a história que Théodore-Henri Fresson (1865-1951) mostrou a Sociedade Francesa de Fotografia "Impressões fotográficas feitas em "papel de carvão" sem transferência" já em 1899. Entretanto o processo tem como base as experiências de 1855, feitas por Alphonse Poitevin (1819-1882). O nome de carvão vem do fato do pigmento preto que ele usava. O químico francês também descobriu as propriedades sensíveis da gelatina bicromatizada e inventou os processos de fotolitografia e de calótipo. No livro The Photobook: A history, Volume 1 (Phaidon, 2004) de Martin Parr e Gerry Badger, ele é descrito como "uma das grandes figuras desconhecidas da fotografia."
A prolífica década de 1970 também apresentava fotógrafos como Pete Turner (1934-2017) nos Estados Unidos ou o brasileiro Klaus Mitteldorf, que na década seguinte lançaria o clássico Norami (Rotovision, 1989) cujas experiências cromáticas davam prosseguimento a inquietações iniciadas nas décadas anteriores. Interessante notar no texto do release de imprensa da mostra de Eggleston no MoMA, onde o icônico curador John Szarkowski (1925-2007) observa que o trabalho de seus predecessores não cuidavam da forma ou eram bonitos demais. Ele ressalta que desta vez, o papel da cor era mais que descritiva ou decorativa e que assumia o protagonismo na definição do conteúdo da mesma.
As imagens de Scott Macleay buscam este caminho onde a cor como forma tem papel relevante. Assumem um caráter descritivo em outro sentido, aquele mais existencial como também pensava o curador americano, trazendo seus contornos, texturas, símbolos e estruturas anexadas as experiências, o que associamos inevitavelmente a atividade do autor como escritor e como músico. O americano Edward Weston (1886-1958) em seus Daybooks (Horizon Press, 1966), escreveu que o preconceito dos fotógrafos com relação a fotografia em cor era porque não pensavam nela como forma. Pensando que este diário foi escrito entre 1924 e 1934, sua relevância é ainda maior, pois revelam as inquietações de um artista pleno tentando entender o mundo e seu papel nele.
Dando conta de outras inquietações no rarefeito universo da produção fotográfica, Quadrichromie é dividido em 3 partes: Atitudes, Fragments e Wavelenght, e segundo o crítico americano Allen Ellenzweig, se associam ao minimalismo contemporâneo, onde o autor emprega a cor como um pintor, ressaltando a bidimensionalidade do meio, ou como ele mesmo diz sua planicidade. É certo que a sua relação com a pintura, fortemente anexada ao processo Fresson, em seu espectro pictórico, também sugere ao crítico escrever que sua quadricromia "encoraja um historicismo quase nostálgico como os autocromos brilhantes de alguns fotógrafos das primeiras décadas do século passado." O que nos leva ao genial francês Jacques-Henri Lartigue (1894-1986) e seus pictóricos autochromes dos anos 1920.
Parte cativante do conjunto visivelmente subsiste na ausência da ideia e tentativa de tridimensionalidade. Os matizes não se comportam somente como elementos distintos que são, mas sim integrados, um certo gestaltismo que nos fornece a sua totalidade e a percepção de cada elemento. Estes, por sua vez, associam-se a leveza do movimento humano representado majoritariamente por nus de diferentes gêneros à delicadeza de uma palette, amparada pelo simulacro da falta de definição. Um contraponto que funciona muito bem, atualizando as imagens para a produção mais contemporânea (que vem buscando os ditos processos alternativos) abolindo os poucos resquícios que poderiam datar a produção.
Ellenzweig relaciona a inspiração de Macley as chamadas xilografias Yukio-e (algo como imagens do mundo flutuante). Estampas delicadas e notáveis no Japão do período Edo (1603-1867), que o crítico julga impressionistas. Entretanto podemos pensar que na verdade foram estas que influenciaram tanto os impressionistas da primeira geração, como Claude Monet (1840-1926), os pós-impressionistas e inclusive a Art Nouveau. Quando pensamos que estas impressões chegavam a ter cerca de 50 cores aplicadas e que se destacavam, a ideia do "japonismo" cai melhor sobre a obra de Yasuzō Nojima (1884-1964) fotógrafo cujas impressões em albumina, bromóleo e platina, traziam a beleza do nu que assim como este canadense não caia na tentação de criar uma perfeição melhor que a realidade. [ leia mais sobre Nojima em https://www.facebook.com/search/top/?q=Juan%20Esteves%20Photos%26Reviews%20yasuzo%20nojima&epa=SEARCH_BOX ]
Imagens © Scott Macleay Texto © Juan Esteves
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